sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Sobre O meu Amigo Mike ao Trabalho



       


         O Meu Amigo Mike ao Trabalho é um filme incômodo, poético num estilo o último dos modernos, mas incômodo. Deixa-me esclarecer a qualidade desse meu incômodo, que pode ter muito haver com o fato de eu nada saber sobre o autor, ou até mesmo sobre as mais novas poéticas do cinema. Irei esclarecer com uma primeira interpretação, que está mais para um palpite muito do atrevido.  De grosso modo, o filme mostra o trabalho de um pintor, dentro de um galpão afastado, em seu fazer artístico. Apagam-se as luzes, e começamos a nos familiarizar com o lugar em que Mike pinta; vemos o Mike, o galpão, e o preparar da tela; um pedaço de tecido enorme que mais tarde nos concede uma cena de grande força poética, quando é posto num varal, e fica a sacolejar com os ventos que passavam. Abro aqui um parêntese para dizer que talvez, seja a cena mais poética de todo o filme _ o pedaço de pano estendido_ nos provando o quão habilidoso é Fernando Lopes.
          Existe uma segunda cena, quando o Mike pinta uma pedra no galpão, e são mostradas, com ares de Hitchcock, as tintas escorrendo pela pedra e pelo chão, e que parece sangue de uma pessoa morta. Num terceiro quadro, a tela já pendurada, Mike pintando-a, e a câmera... nada. O que num primeiro momento nos convida a sonhar, nos aterroriza logo depois e... nada. Digo nada por que espero que os espectadores presentes também tenham tido a mesma impressão, pelo menos os que possuem ainda alguma sanidade mental, já questionável a esta altura. Ora o nada é algo com o qual poderíamos ficar horas a fio, principalmente quando existe uma cena que se movimenta, diante da câmera estática de Fernando Lopes.  No decorrer desta cena, algumas intervenções de efeitos de sobreposição, e a narrativa se completa com a participação de uma mulher, que explica todo o processo artístico de Mike, como numa entrevista jornalística dessas mais corriqueiras.
          Se a intenção do diretor é nos levar numa espécie de montanha russa de emoções é insuficiente, até por que não são tantas as emoções... Se é nos dar uma mostra de sua maestria dos mecanismos linguísticos do cinema, é bem sucedido.  Apesar de conseguir mostrar o que é de fato o “cinema”, e neste sentido se torna tão puro e moderno quanto à pintura de Mike, torna-se enfadonho por ser discursivo, e talvez por isso nos queiramos pós-modernos.  Queremos falar sobre o mundo; nos cansamos das verborragias intelectuais e enfiamos os pés no chão.  Ainda não chegamos inteiramente nesta pós-modernidade, alguns dirão, o que nós podemos mesmo constatar.  Ainda assim, prefiro o pensar cinematográfico numa narrativa ao estilo de Wong Kar-Wai, que já nos mostrou a mesma coisa há muito tempo e muitas outras mais.   O que é realmente incômodo, não é o fato de ser um filme moderno, ou mesmo por ser discursivo. É que, em tempos de pretensa pós-modernidade, com o cinismo imperante que se instalou entre os intelectuais, associado à alienação dos jovens universitários, que aderem rapidamente aos discursos que pareçam menos caretas; num tempo que brada aos quatro cantos pelo fim de quaisquer ideologias, é interessante revisitar a modernidade;  relembrar que existe um legado; talvez o pecado de Fernando Lopes seja revisitar exatamente aquilo que podemos descartar; eu me pergunto: por que será que todas as vezes precisamos carimbar a modernidade pelo seu pior...e reduzi-la a um caráter único, não é buscar-lhe a pureza? Acho que nos tornamos tão modernos quanto a modernidade que queremos negar. Mas talvez não se trate disso, talvez o autor tenha apontado algo realmente pessoal, algo que só podemos ver quando conhecemos sua trajetória...aí é o limite da minha interpretação.