segunda-feira, 10 de janeiro de 2011



Arte, vida e política em Fahrenheit 451



       
           Em Fahrenheit 451, de François Truffaut, baseado no romance de Ray Bradbury, arte e política andam de mãos dadas. O filme mostra um mundo vencido pelo fascismo, ou forma de governo similar, onde não há espaço para qualquer forma de arte ou pensamento fora do previamente estabelecido e ditado pelo enfadonho mundo já organizado. Porém, podemos traçar alguns paralelos entre os comportamentos mostrados nos filmes, e o nosso mundo de hoje, repensar a questão da mídia (produção em veículo massificado), como abuso de poder, ocupando sentido de veículo democrático/liberal (no sentido antigo do termo), mascarando forças que se opõem, através de discursos fabricados e projetados, articulando falsas oposições.
        No mundo insípido de Fahrenheit, as donas de casas estão sempre drogadas, com uso de calmantes e antidepressivos, as pessoas confiam ao Estado e à ciência sua vida, e todo o legado literário e crítico da sociedade fica relegado a alguns intelectuais, que dedicam à sua preservação, através da memorização dos textos e livros que eram queimados pelos guardas oficiais.
         Tudo bem, estamos a salvo daquela situação, temos a internet, por onde circula uma porção de livros e textos, filmes e vídeos, debates e palestras que não acabam mais. Temos de mais recente o site Wikeleaks, demonstrando a força da internet como forma de informação fora das redes “oficiais”, assim como vídeos que não poderiam circular, não fosse essa nova mídia que aponta para uma real democratização do pensamento.
        Ainda assim, somos inundados por formas de expressão conservadoras, mesmo dentro das recentes redes de relacionamento, como Orkut, facebook e Cia, que promovem grande troca de informação, mas que acabam remetendo muito mais àquela sociedade de controle, analisada por Adorno, que trocas reais de interesse e partilhamento de informação e conhecimento. Que tudo isso tem haver com a arte?
Estamos vivendo num mundo, com um potencial gigantesco de transformação, podemos começar a pensar em democratização de fato, mas agora nós mesmos, vitimados pela alienação, repetimos velhas fórmulas sem nos perguntar sobre as possibilidades. A arte enfrenta um desafio enorme de se contrapor a uma sociedade que não se arrisca, não quer se molhar na chuva, não quer viver. Para ser mais clara, vivemos mesmo numa sociedade que demonstra seu lado fascista, no seu repúdio à vida, ao que como vida se deteriora, fede e pulsa. Encharcamos-nos de perfume, anulamos nossos pelos, nossos gostos e desejos em favor de uma vida limpa, maquiada pelo photoshop, onde só resta imagem. Ora, imagem é coisa morta, como Roland Barthes já mostrou na sua análise sobre fotografia, ainda assim, imagem é mesmo aquilo que está, eterniza um fragmento para imperdir-lhe sua morte, mas estático impede-lhe a vida também. Cercamos-nos dos adereços coloridos para dizermos como somos e o que somos, esquecemos do processo. A arte tenta desesperadamente nos acordar deste sono de bela adormecida; foi para a vida e encontrou apenas eco, por que a vida mesmo está do outro lado do mundo, pulsando naqueles que estão bem distantes dos espaços frios das galerias e bienais de arte contemporânea.
        A cena final de Farenheit 451 mostra a tentativa de trazer para a vida, as vozes esquecidas dos autores e dos artistas literários que parecem viver a margem numa sociedade pré-fabricada e já sem história. Volto a repetir que acredito não estarmos neste mundo, mas dizer que nada temos em comum com ele, é não perceber as forças que movem a dinâmica comportamental da nossa época. Não que eu queira todos os momentos da vida humana destituídos de superficialidade, perseguir quaisquer sinais de adoração material, ou algo do gênero; só que a vida é bem mais.  Os caminhos são propícios, e a arte espera por encontro, enquanto isso...big brother...big brother...

Um comentário:

  1. Nossa! Texto super crítico e bem escrito! impressionante! E por que não dizer? BRAVO!
    A Blogsfera deveria ter espaço no palco para esse tipo de texto...

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